Qual foi o último show “sold out” no Morumbi?

(por Fábio F. Nunes, criador e responsável pela Friends Session)

Desde sempre a nossa postura foi a de ajudar a realizar o sonho do fã, e um dos dilemas mais clássicos da história recente é que quando o fã tem dinheiro, não tem ingresso, mas quando sobra ingresso porque o preço é mais alto, adivinhem…? O fã não tem dinheiro.

Ontem soubemos que os shows de Linkin Park em Curitiba e Porto Alegre, somados, sequer venderam 10.000 ingressos, 21,5% do total. Hoje pela manhã soubemos que dos 67.918 lugares para Lady Gaga no Morumbi, ainda restavam 30.900 em estoque depois de 5 dias de vendas. Isso sem contar os “holds”, ingressos reservados para patrocinadores, por exemplo, ou os que ficam disponíveis somente para sócios do São Paulo Futebol Clube por um tempo antes de ir para a bilheteria. Ainda haviam cerca de 16.000 pistas, 1.300 arquibancadas especiais, 4.800 arquibancadas azuis, 3.000 arquibancadas vermelhas e 3.800 arquibancadas laranjas.

Então lançamos a pergunta: “qual foi o último show no Morumbi com pista acima de R$250 que deu sold out?” Depois completamos: “A propósito, pessoal, por “sold out” significa bilheterias fechadas em dia de show, nada de sobra, ok?”

O objetivo foi justamente não entrar no mérito do artista, e sim do valor dos ingressos. Muitos responderam U2 ou Pearl Jam, mas por mais que tenham sido os mais recentes casos de esgotamentos, ambos tiveram ingressos de pista abaixo de R$200.

Quem nos acompanha sabe o quanto criticamos o leilão ao qual as produtoras brasileiras sujeitam-se. Cachês muitas vezes duplicam o valor inicial, e justamente porque acreditam que o fã vai pagar tudo e mais um pouco para ver aquele artista (ou porque ele já pagou muito mais para cambistas quando há pouco tempo atrás).

Confesso que fiquei em dúvida se no Paul McCartney em 2010 havia ingressos disponíveis nos dois shows no dia do evento, e o único que tive real certeza de total esgotamento foi AC/DC em 2009 (que, muitos lembraram, não tinha pista VIP). De qualquer forma, é assustador que nenhum show esgotou ingressos de pista acima de R$250 em 2011, muito menos em 2012. Isso não foi à toa.

Há muitos fatores além do preço que fazem ingressos “encalharem”, como dia do show ou turnê extensa demais, da mesma forma que o “custo Brasil” também encarece fortemente seus valores. Só que depois de já ter se endividado com outras turnês ou até mesmo dedicado seus investimentos à compra do carro zero, apartamento novo ou concurso público, por exemplo, a “grana curta” obrigou o fã a escolher qual show assistir ou simplesmente desconsiderar a hipótese de assistir seu artista favorito (seja novamente ou pela primeira vez).

Se sobrou ingresso, não é porque faltou fã. Faltou bolso. Isso se não estiverem à espera de pechincha em sites de compra coletiva na última hora, e as produtoras criaram isso. Só que quem sou eu para contestar as decisões das produtoras, né? Afinal, eu não tenho milhões de dólares para investir num show. Exatamente, e se tivesse, jamais apostaria em algo com custo tão grande que, mesmo que valha, poucos tem condições de pagar.

Independentemente da atração, da sua história, ou do seu número de fãs no Brasil, o importante é: até quando as produtoras vão enriquecer os agentes com ágios absurdos sobre o cachê do artista? Quando as produtoras entenderão que os clientes dos seus negócios são os fãs, e não os agentes ou patrocinadores que assinaram contratos de “produtos”?

Seus clientes merecem respeito. Fãs merecem ainda mais.

A gente se encontra na estrada.

Brasil, fãs e o “Business Show” – Introdução

(por Fábio F. Nunes, criador e responsável pela Friends Session)

Há muito anuncio no Twitter/Facebook (e adio) um registro sobre algumas das minhas percepções de tudo o que envolve o mercado de shows no Brasil, especialmente os internacionais. Por mais que a paixão ainda faça mover-me contra algumas conclusões que não conseguiram me convencer do contrário, algumas situações recentes chamaram-me à responsabilidade de finalmente compartilhá-las, o que não vai acontecer somente neste post.

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que minha posição sempre foi e será (até quando eu conseguir) a de fã, e é do lado do fã que estarei. Tudo o que Friends Session, Bus Session e até a No Smoke fizeram até hoje partiu de um fã, um apaixonado que sempre quis realizar os seus sonhos e dos seus amigos. Ao registrar minhas opiniões (e previsões) para o “mercado” de shows internacionais correrei o risco em vários momentos de parecer desmerecer este ou aquele artista (e muitos deles eu sou grande fã), mas quero que entendam que não é nada contra o artista e tampouco contra o fã, é simplesmente uma observação deste “mercado”.

Por outro lado também correrei um enorme risco de equivocar-me por não ter acesso a todos os dados e aspectos envolvidos, ou por simplesmente isolar uma variável dentro de toda uma gama de fatores, mas só o que quero é que pensem a respeito, ponderem, colaborem e, se não concordarem com nada, simplesmente ignorem. Não pretendo ofender ou acusar ninguém, mas simplesmente juntar algumas peças para analisarmos o contexto.

Dito isso, um pouco do que me credenciou a falar sobre o tema. Criei a Friends Session em 2005 para conseguir reunir meus amigos na comemoração do meu aniversário, mas também com o propósito de promover a música ao vivo de qualidade e novos músicos numa cidade que praticamente só respirava pagode e eletrônico. O Bus Session foi a solução para viabilizar a realização dos sonhos de assistir meus ídolos ao vivo, e quase 7 anos depois de envolvimento com tudo isso aprendi, descobri, percebi e deduzi muita coisa para viabilizar a realização de mais de 6.000 sonhos.

Muitos que olham um cara com um site de excursões, trabalhando em casa, assistindo um monte de shows sempre de camiseta e tênis provavelmente pensa que não deve ter grandes dificuldades. Afinal, todo mundo quer ir num show internacional, todo mundo fica sabendo, procura no Google… e, abracadabra… lotou um Bus Session. Tudo bem, eu também pensei assim por um tempo, e o primeiro ano com quase R$ 5.000 de prejuízo foram uma boa escola. Não é bem assim…

Foi aí que comecei a perceber tudo o que envolvia até chegar o momento do fã passar o ingresso na catraca e poder olhar para o grande palco. Precisei aprender sobre economia e observá-la. Precisei prestar atenção em notícias lá longe que poderiam repercutir em shows por aqui. Precisei entender os “trajetos” das turnês pelo mundo e saber que Japão/Oceania são nossos vizinhos de verão. Precisei observar os estilos de cada produtora fechar contratos e anunciar suas vendas. Precisei considerar os feriados religiosos que utilizavam todos os ônibus disponíveis e que até roqueiro clássico não abandona mãe no seu dia por causa de um show. Precisei entender que até o maior fã de U2 ficava sem saber que eles viriam ou que seus ingressos iniciariam venda. Precisei ver que meu concorrente não era o que oferecia o mesmo produto que eu oferecia ou até mesmo as empresas aéreas, e sim o apartamento próprio, o carro novo ou até a preparação para o concurso público que “sugava” as economias dos fãs.

Independentemente do problema ser saber do show ou juntar dinheiro para assisti-lo, a antecipação da informação seria determinante para que o fã pudesse realizar seu sonho e, depois de um certo tempo, sobretudo com a participação na produção do “Motörhead em Floripa”, entendi a lógica que por muito neguei-me a acreditar e passei a chamá-la de “Business Show”. Por que? Porque muita gente fica à frente, em busca somente de dinheiro, e tratam o show como mera mercadoria que, muitas vezes, o artista sequer sabe quanto vale, pois para ele é paixão. E o fã? Este, coitado, “que se vire para pagar o preço do ingresso, porque, se ele não comprar, outro compra”.

Esta simples lógica foi suficiente para antecipar boa parte dos grandes shows internacionais que aconteceram no Brasil desde 2007. Era óbvio que o The Police faria shows aqui depois que tocaram no Grammy, tanto quanto o AC/DC daria o ar da graça quando lançaram o “Black Ice” e anunciaram turnê. Depois que U2 esgotou 2 shows em horas de venda em 2006 muita gente (de dentro e de fora) arregalou os olhos para os “porquinhos” recheados de moeda do Brasil.

Então, para ir a fundo nesta (“minha”) “lógica” do “Business Show” vou tratar o tema nos próximos dias. Não pretendo entrar na discussão do “custo Brasil” sobre os valores de ingressos, porque afinal todos que entram neste jogo sabem que existem impostos, ECAD, lei de meia entrada e logística cara. O enfoque está em explicar o crescimento do valor dos ingressos e porque cada vez mais shows vem para o Brasil, mesmo encalhando ingressos ou com notáveis prejuízos. E se alguma coisa parecer “teoria da conspiração”, bem… aí não cabe a mim investigar.

A princípio, serão os seguintes posts, talvez junte-os ou inverta ordens, vamos ver (colocarei links quando publicá-los):

  • Parte 1: O novo modelo de negócios de shows. A queda da receita de vendas de discos e o foco na “indústria do entretenimento”. O contrato, o cachê, a participação na bilheteria e a venda online. Os patrocinadores. Os serviços que se beneficiam de um grande show.
  • Parte 2: Quem pensa que manda. Agentes, Produtoras e os “leilões”. O artista é o que menos ganha. As “vendas casadas”. As propostas que inviabilizam. As reviravoltas.
  • Parte 3: Quem não sabe que manda. Fãs, seus “inimigos” e supostos aliados. A idéia de valor variável de ingressos por demanda da Ticketmaster. Quem compra depois quase sempre se dá bem. Cambistas e compra coletiva.
  • Parte 4: O que as produtoras ainda não enxergaram. O tamanho do bolso e os ingressos encalhados. Brasil não é Meca e não tem mais como ganhar cada vez mais. São os fãs os seus clientes, não os agentes.
  • Parte 5: O que as produtoras já começaram a enxergar. As “fichas” que já caíram. Os sonhos por faixa etária. Quem pode pagar ingressos caros. O violinista que arrecadou mais que U2.
  • Parte 6: As contas que não fecham. O que ninguém quer enxergar. Lucro operacional, só quando esgota. De novo por aqui, artista?
  • Parte 7: Tem futuro? O fim das produtoras locais e o domínio das produtoras globais.

Espero entregar um a cada dois dias no máximo, pois não escrevi nada ainda.

Novamente, que fique claro que a maioria destas conclusões são minhas e apenas refletem nas decisões referentes ao Bus Session, que pouco ou nada pode fazer. E, sinceramente, temo que ao fim da construção destes registros chegue à conclusão que muitas vezes nosso esforço vira “vilão” nessa história toda.

A gente se encontra na estrada.