Decepcionamos um fã, mas agora nunca mais

(Por Fábio F. Nunes, criador e responsável pela Friends Session)

Dia 07 de abril de 2016. Um dia que eu não queria mais lembrar, só que jamais vou esquecer.

Este será um texto longo, talvez poucos leiam, mas eu precisava deixar registrado. O motivo: eu frustrei quatro fãs de Coldplay que não entraram com o ingresso Premium contratado. Nada do que eu escrever aqui justifica, no máximo publica.

Para começar quero deixar claro o que ali em cima está escrito: “responsável pela Friends Session”. Isso significa que cada escolha, cada decisão, cada passo da Friends Session é sempre de minha responsabilidade, não importa qual circunstância, ou tampouco de quem seja a culpa. Não fujo delas, claro, pois até a ignorância sobre um determinado risco é também minha responsabilidade. Tudo isso constrói, inclusive, a minha reputação, e nessa relação pessoa física vs. pessoa jurídica, vida pessoal vs. trabalho, clientes vs. amigos… elas misturam-se bastante, tanto que escreverei em 1ª pessoa do singular dessa vez. E já que essa pessoa física é também um especialista em modelos de negócios, isso me exige algumas responsabilidades extras, no mínimo de coerência.

Por exemplo… No dia 28 de novembro de 2009 eu também chegava em Florianópolis de avião depois da operação caótica que foi AC/DC, dormindo no aeroporto após jogar 44 pizzas fora porque, por conta do trânsito, a pizzaria não chegou a tempo da paciência de 4 ônibus esperarem. Isso porque todos os 10 ônibus tiveram que esperar algumas horas para sair de Florianópolis por conta do atraso das listas, pois no dia do embarque mais de 20% das pessoas não chegaram a enviar os dados pessoais por e-mail e a legislação da ANTT só permite 4 alterações em cada ônibus, o que dá menos de 10% de margem num ônibus lotado. Assumi a responsabilidade não só das consequências, mas também de adotar mudanças para evitar isso. A história é um pouco mais longa e inclui mais detalhes, mas por agora só vou citar que desde então nunca mais houve uma autorização de pagamento sem que houvesse antes uma proposta formal de reserva e passei a usar o formulário de “Cadastro de Passageiro” no Google Docs. Um ano depois, mesmo eu trabalhando sozinho na organização (diferentemente do AC/DC, onde outras 3 pessoas colaboraram diretamente, sendo dois deles “funcionários”, que depois pediram para sair por questões de “não sei como tu aguenta lidar com tudo isso, Fábio”…), em 5 semanas eu dei conta de vender e organizar 9 bus para Paul McCartney em Porto Alegre e outros 4 para São Paulo, todos absolutamente pontuais e sem qualquer contratempo.

Com seus erros e acertos, os 10 anos de festas sobre rodas construíram a reputação da Friends Session. E a minha. Alguns amigos nunca mais voltaram, mas vários da operação do AC/DC confiaram novamente para realizar seus sonhos e constataram que aquele caos foi um caso de exceção. Mesmo assim eu tenho um compromisso de organizar Bus Session para a próxima turnê do AC/DC no Brasil (o que deve acontecer na próxima temporada), mesmo que o Bus Session não exista mais.

Sei que muitos só usam os nossos serviços porque viabilizamos ingressos com verdadeira conveniência, sem incômodos ou preocupações, muitas vezes até depois de já esgotados. Em 2008, por conta do show da Madonna, cujos ingressos esgotaram num caos histórico do lançamento do Tickets for Fun, viabilizei quase 300 ingressos com um cambista que por um bom tempo foi chave no modelo de negócio do Bus Session, tanto que em determinadas situações tivemos que oferecer pacotes com ingressos a valores acima do preço oficial. Afinal, infelizmente, o atendimento a grupos da Time for Fun nunca foi algo que eu pudesse contar de forma líquida e certa para todos os seus eventos, com uma política clara e programável. No entanto depois de disputar espaço em fila com vários cambistas para a turnê de 2011 do U2 (da mesma forma que Rush e Bon Jovi no ano anterior a T4F não ofereceu atendimento a grupos), criei a política #CambistaDoBem de não comprar ou oferecer ingressos a valores acima dos com taxas oficiais. Desde então só comprei alguns ingressos com cambista em situações que estavam sobrando a preços ridículos e não cobrei valores acima dos oficiais.

Não escondo de ninguém que o Bus Session só continua vivo até hoje porque antes de eu sequer pensar em fazer isso eu já era fã de shows ao vivo (e só por isso ele terá mais uma temporada, a de setembro de 2016 a abril de 2017, e pode colocar na conta o fato de eu querer assistir Aerosmith na sua turnê de despedida e Guns n’Roses com Slash e Axl, para os quais já garanti acesso a ingressos). A Friends Session nasceu por isso. E sempre digo que só quem é fã entende fã, e quem me viu recentemente na pista premium em todos os quatro shows do Rolling Stones não tem dúvidas disso. Realizar esses sonhos foi o que fez o Bus Session seguir em frente, mesmo com o lance do AC/DC (que só em ingressos que estavam comigo e por isso não chegaram a tempo em São Paulo de eu entregar para uma agência parceira foram mais de 9 mil reais de prejuízo – o fato de as baterias dos meus 3 celulares terem se esgotado com a quantidade absurda de gente indignada das outras cidades do trajeto ligando por conta do atraso contribuiu bastante, e desde então tenho bateria extra para evitar isso) ou os 11 mil reais de ingressos para o Paul McCartney no Rio de Janeiro que eu simplesmente “morri” com eles, repetindo a mesma consequência de outros 2 mil reais em ingressos do Aerosmith de 2007 que tenho até hoje ou 3 mil reais do Santana em 2006…

Acredito que praticamente todas as coisas que já me fizeram considerar parar com o Bus Session tenham a ver com risco e tempo. Basicamente, se ele tomar demais do meu tempo ou envolver riscos acima das expectativas de lucro (especialmente riscos imateriais, incalculáveis, como frustrar um fã, por exemplo – outros eu prefiro sequer comentar), inviabiliza totalmente o modelo de negócio. Em relação ao tempo já consegui otimizar bastante coisa, especialmente na redução do atendimento telefônico (que muito possivelmente não terá mais dia certo a partir de agora, só em períodos de início de venda) e automação de processos de venda no site, sempre com todas as informações para esclarecer dúvidas que dispensam uma dedicação maior minha (#TemTudoNoSiteOTempoTodo). Em se tratando de risco material, basicamente um controle e monitoramento absurdo (o que também demanda tempo) e várias parcerias com produtoras e outras agências para não sobrar ou faltar ingressos, pois pode ter certeza que Murphy sempre vai garantir que eles serão muito mais caros se eu errar um controle de estoque e faltar comprar, e ridiculamente sem valor se eu comprar a mais e sobrar.

Ontem, infelizmente, por total responsabilidade minha, pela segunda vez em 256 ônibus e mais de 10.100 sonhos realizados, 4 fãs de Coldplay ficaram sem o ingresso premium dos seus sonhos (a primeira vez foi em 2008, show do Maroon 5 no Via Funchal, onde ao chegar a produtora disse que não teria os 3 ingressos Premium que prometera e todos acabaram na pista). O principal motivo foi que na pré-venda do Bus Session, pelo fato da o atendimento a grupos da T4F não ter dado acesso a ingressos meia-entrada, no prazo de fechamento/pagamento do pedido dado por eles havia somente 7 passageiros/ingressos confirmados dos 15 mínimos exigidos para o canal (mesmo tendo enviado cerca de 700 SMS para cadastrados em pré-reserva). Com a experiência (ou soberba) de quem sempre conseguiu comprar avulsamente pelo site no início das vendas ou até mesmo com sobras que sempre aparecem depois (e duas simples compras dariam conta disso) e assumindo o risco de ter que pagar algum ágio por ingressos de parceiros (o que desde o #CambistaDoBem em 2011 nunca foi preciso, mesmo em shows da T4F), mantive a excursão, e 3 dos ingressos confirmados em pré-venda (o 4º eu dei a opção de a pessoa tentar comprar por conta própria a meia-entrada no Tickets for Fun e, caso não conseguisse, pegar comigo, o que acabou acontecendo) garanti com um parceiro que pegou de um outro cambista da sua confiança, pagos à época inclusive. Depois eu consegui adquirir 24 ingressos pelo site da Tickets for Fun, sem problemas, e nem me preocupei com os 4 Premium “garantidos” desde dezembro com o parceiro “garantido” pelo seu cambista (que até então nunca falhara), e por já tê-los “certos”, pagos e estar com o Bus Session praticamente lotado sequer me preocupei em monitorar o site para comprar mais ingressos de sobras (que apareceram várias vezes).

No final das contas o improvável aconteceu, o “garantido” e previamente pago não apareceu, só soube disso no dia do evento, e mesmo disposto a pagar “o preço de de um carro popular” por 4 Premium, eles simplesmente não existiam “no mercado” e os fãs precavidos acabaram na Cadeira Inferior, frustrados, um com sangue nos olhos (de raiva) e duas com lágrimas nos olhos (uma delas aniversariante da véspera), e isso eu jamais vou esquecer. Fomos todos vítimas nessa cadeia de acontecimentos, mas eu fui o único que além de vítima foi também vilão.

Eu não sei se vou ter a chance como tive com Maroon 5 de “consertar” isso (que na verdade só consegui consertar com uma das 3 pessoas, já que uma delas foi morar no exterior e outra só acompanhava e nem quis utilizar). Por que? Porque por mais que eu venha a oferecer gratuitamente um pacote premium numa eventual próxima turnê do Coldplay como fiz para os fãs frustrados do Maroon 5 em 2012 (e aqui registro um compromisso público com esses 4 fãs de Coldplay agora prejudicados por mim) ou fazer qualquer tipo de acordo a respeito dos valores pagos, mesmo assim eles vão pensar “mas eu queria ter ido na pista premium nos dois shows”, e eles tem todo o direito disso. Eu provavelmente sentiria o mesmo se não tivesse ido a um dos shows dos Stones por razões semelhantes. E meu pedido de desculpas, na boa, jamais será suficiente, tampouco o consolo de ter assistido o show “mesmo assim” e muito menos o “castigo” que tive no preço que paguei pelos 4 ingressos na última hora ou pelo voo que acabei perdendo (precisava estar em Florianópolis para um treinamento dentro de uma empresa no final de semana).

Conforme eu disse, esse modelo de negócio do Bus Session de realizar sonhos de fãs oferecendo o melhor serviço/comodidade ao menor custo só é possível reduzindo cada vez mais o tempo e o risco. Sobre tempo eu já tenho algumas medidas planejadas, com melhorias no site nas próximas semanas e mudança no atendimento telefônico. Já em relação ao risco, a partir de agora, com produtoras sem políticas de atendimento a grupos verdadeiramente parceiras ou altamente imprevisíveis (leia-se “eventos da Time for Fun”), simples assim:

  1. Caso haja acesso a ingressos antes do início das vendas e não tivermos opção de comprar meia-entrada, só confirmaremos a excursão depois da quantidade mínima estabelecida alcançada. Não compraremos ou correremos atrás de um mísero ingresso a mais depois do prazo da produção, que é quando finaliza a nossa pré-venda. Portanto ajam rápido quando receberem SMS sobre o show que vocês desejam ir.
  2. O estoque do site continua a ser a fonte precisa de disponibilidade, incluindo somente ingressos adquiridos e já fisicamente conosco ou reservados por escrito com a produção.
  3. Reservas não pagas depois de 36 horas (sem contar sábados, domingos e feriados) ou até o prazo estabelecido em pré-venda (o que acontecer primeiro) serão simplesmente canceladas, assim outros interessados podem garantir o seu sonho.
  4. A pré-venda (ou seja, até o prazo dado pela produtora) é o único momento em que conseguiremos atender toda e qualquer quantidade e tipo de ingresso, por isso não deixe para depois.

Eu sempre digo que assumir riscos não tem a ver só a com a probabilidade do “pior dos cenários”, mas com as consequências dele. Eu adoraria morar numa casa, mas a mínima probabilidade de um assalto que poderia levar 600 mil reais em ingressos esgotados como já cheguei a ter comigo (e eu mesmo me mataria e me esquartejaria distribuindo pela cidade se isso acontecesse), me obrigam a escolher morar num apartamento com o máximo de segurança e tomar várias medidas para evitar isso. É o que tenho medo. E simplesmente não quero correr o mínimo risco de decepcionar fãs novamente, por menor que possa ser a probabilidade, porque a parte da dor deles que eu acabo sentindo já é suficientemente insuportável. E como sempre digo que “vocês são a verdadeira Friends Session, vocês é que fazem a Friends Session”, preciso dividir isso com todos para que mais sonhos de vocês possam ser realizados, nossos sonhos. “Tudo na vida é uma questão de números e sentimentos, o resto são escolhas”, digo sempre, e da mesma forma que sempre fiz em cada mínimo detalhe que justifica as decisões do Bus Session, vou implementar as escolhas necessárias para que esse 07 de abril jamais aconteça novamente.

Foram 34 Bus Session e quase 1.500 sonhos realizados desde setembro, mas o que vai marcar o final dessa temporada será os 4 fãs frustrados. Lamento muito por encerrar essa temporada assim, e a mancha na minha reputação é só um detalhe.
Eu não sei se vou me perdoar por isso tudo, mas a responsabilidade será sempre minha, especialmente por não acontecer mais, e a pergunta “mas é garantido, né?” que terei que ouvir várias vezes a partir de agora também vai me lembrar de tudo isso.

A gente se encontra na estrada.