Brasil, fãs e o “Business Show” – Introdução

(por Fábio F. Nunes, criador e responsável pela Friends Session)

Há muito anuncio no Twitter/Facebook (e adio) um registro sobre algumas das minhas percepções de tudo o que envolve o mercado de shows no Brasil, especialmente os internacionais. Por mais que a paixão ainda faça mover-me contra algumas conclusões que não conseguiram me convencer do contrário, algumas situações recentes chamaram-me à responsabilidade de finalmente compartilhá-las, o que não vai acontecer somente neste post.

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que minha posição sempre foi e será (até quando eu conseguir) a de fã, e é do lado do fã que estarei. Tudo o que Friends Session, Bus Session e até a No Smoke fizeram até hoje partiu de um fã, um apaixonado que sempre quis realizar os seus sonhos e dos seus amigos. Ao registrar minhas opiniões (e previsões) para o “mercado” de shows internacionais correrei o risco em vários momentos de parecer desmerecer este ou aquele artista (e muitos deles eu sou grande fã), mas quero que entendam que não é nada contra o artista e tampouco contra o fã, é simplesmente uma observação deste “mercado”.

Por outro lado também correrei um enorme risco de equivocar-me por não ter acesso a todos os dados e aspectos envolvidos, ou por simplesmente isolar uma variável dentro de toda uma gama de fatores, mas só o que quero é que pensem a respeito, ponderem, colaborem e, se não concordarem com nada, simplesmente ignorem. Não pretendo ofender ou acusar ninguém, mas simplesmente juntar algumas peças para analisarmos o contexto.

Dito isso, um pouco do que me credenciou a falar sobre o tema. Criei a Friends Session em 2005 para conseguir reunir meus amigos na comemoração do meu aniversário, mas também com o propósito de promover a música ao vivo de qualidade e novos músicos numa cidade que praticamente só respirava pagode e eletrônico. O Bus Session foi a solução para viabilizar a realização dos sonhos de assistir meus ídolos ao vivo, e quase 7 anos depois de envolvimento com tudo isso aprendi, descobri, percebi e deduzi muita coisa para viabilizar a realização de mais de 6.000 sonhos.

Muitos que olham um cara com um site de excursões, trabalhando em casa, assistindo um monte de shows sempre de camiseta e tênis provavelmente pensa que não deve ter grandes dificuldades. Afinal, todo mundo quer ir num show internacional, todo mundo fica sabendo, procura no Google… e, abracadabra… lotou um Bus Session. Tudo bem, eu também pensei assim por um tempo, e o primeiro ano com quase R$ 5.000 de prejuízo foram uma boa escola. Não é bem assim…

Foi aí que comecei a perceber tudo o que envolvia até chegar o momento do fã passar o ingresso na catraca e poder olhar para o grande palco. Precisei aprender sobre economia e observá-la. Precisei prestar atenção em notícias lá longe que poderiam repercutir em shows por aqui. Precisei entender os “trajetos” das turnês pelo mundo e saber que Japão/Oceania são nossos vizinhos de verão. Precisei observar os estilos de cada produtora fechar contratos e anunciar suas vendas. Precisei considerar os feriados religiosos que utilizavam todos os ônibus disponíveis e que até roqueiro clássico não abandona mãe no seu dia por causa de um show. Precisei entender que até o maior fã de U2 ficava sem saber que eles viriam ou que seus ingressos iniciariam venda. Precisei ver que meu concorrente não era o que oferecia o mesmo produto que eu oferecia ou até mesmo as empresas aéreas, e sim o apartamento próprio, o carro novo ou até a preparação para o concurso público que “sugava” as economias dos fãs.

Independentemente do problema ser saber do show ou juntar dinheiro para assisti-lo, a antecipação da informação seria determinante para que o fã pudesse realizar seu sonho e, depois de um certo tempo, sobretudo com a participação na produção do “Motörhead em Floripa”, entendi a lógica que por muito neguei-me a acreditar e passei a chamá-la de “Business Show”. Por que? Porque muita gente fica à frente, em busca somente de dinheiro, e tratam o show como mera mercadoria que, muitas vezes, o artista sequer sabe quanto vale, pois para ele é paixão. E o fã? Este, coitado, “que se vire para pagar o preço do ingresso, porque, se ele não comprar, outro compra”.

Esta simples lógica foi suficiente para antecipar boa parte dos grandes shows internacionais que aconteceram no Brasil desde 2007. Era óbvio que o The Police faria shows aqui depois que tocaram no Grammy, tanto quanto o AC/DC daria o ar da graça quando lançaram o “Black Ice” e anunciaram turnê. Depois que U2 esgotou 2 shows em horas de venda em 2006 muita gente (de dentro e de fora) arregalou os olhos para os “porquinhos” recheados de moeda do Brasil.

Então, para ir a fundo nesta (“minha”) “lógica” do “Business Show” vou tratar o tema nos próximos dias. Não pretendo entrar na discussão do “custo Brasil” sobre os valores de ingressos, porque afinal todos que entram neste jogo sabem que existem impostos, ECAD, lei de meia entrada e logística cara. O enfoque está em explicar o crescimento do valor dos ingressos e porque cada vez mais shows vem para o Brasil, mesmo encalhando ingressos ou com notáveis prejuízos. E se alguma coisa parecer “teoria da conspiração”, bem… aí não cabe a mim investigar.

A princípio, serão os seguintes posts, talvez junte-os ou inverta ordens, vamos ver (colocarei links quando publicá-los):

  • Parte 1: O novo modelo de negócios de shows. A queda da receita de vendas de discos e o foco na “indústria do entretenimento”. O contrato, o cachê, a participação na bilheteria e a venda online. Os patrocinadores. Os serviços que se beneficiam de um grande show.
  • Parte 2: Quem pensa que manda. Agentes, Produtoras e os “leilões”. O artista é o que menos ganha. As “vendas casadas”. As propostas que inviabilizam. As reviravoltas.
  • Parte 3: Quem não sabe que manda. Fãs, seus “inimigos” e supostos aliados. A idéia de valor variável de ingressos por demanda da Ticketmaster. Quem compra depois quase sempre se dá bem. Cambistas e compra coletiva.
  • Parte 4: O que as produtoras ainda não enxergaram. O tamanho do bolso e os ingressos encalhados. Brasil não é Meca e não tem mais como ganhar cada vez mais. São os fãs os seus clientes, não os agentes.
  • Parte 5: O que as produtoras já começaram a enxergar. As “fichas” que já caíram. Os sonhos por faixa etária. Quem pode pagar ingressos caros. O violinista que arrecadou mais que U2.
  • Parte 6: As contas que não fecham. O que ninguém quer enxergar. Lucro operacional, só quando esgota. De novo por aqui, artista?
  • Parte 7: Tem futuro? O fim das produtoras locais e o domínio das produtoras globais.

Espero entregar um a cada dois dias no máximo, pois não escrevi nada ainda.

Novamente, que fique claro que a maioria destas conclusões são minhas e apenas refletem nas decisões referentes ao Bus Session, que pouco ou nada pode fazer. E, sinceramente, temo que ao fim da construção destes registros chegue à conclusão que muitas vezes nosso esforço vira “vilão” nessa história toda.

A gente se encontra na estrada.